quarta-feira, 31 de julho de 2013
terça-feira, 30 de julho de 2013
Narcolepsia Easy-listening
Segunda
parte.
Turbo: Anda cá Magana!
Paulinha: Aí o cacete!
Os gaiatos riam-se
agachados por debaixo da janela do quarto da Paulinha, enquanto o jovem Turbo
lhe fazia umas judiarias. Desconhecia estes rituais de acasalamento entre os
dois mas pareceu-me apropriado, vivemos no século XXI e há que conservar estes
bons costumes na intimidade. Passei na Mercearia do Mestre Reis, um velho
guerrilheiro nas andanças pelo mundo. Na sua Mercearia há um pouco de tudo,
ainda lá podemos encontrar autênticas relíquias como a Pasta Medicinal Couto, o
Restaurador Olex, as pastilhas pretas Cosmos, muitos produtos da minha
juventude. É um velho rijo, lembro-me de um episódio engraçado que se passou no
ano passado com uns sujeitos da nova pide, a ASAE. Era segunda-feira e eu
estava entretido a fazer o avio para a semana que começava quando entram dois
individuos com cara de pós-modernos engravatados. Um começou logo a atirar o
olho às prateleiras e o outro identificou-se como Sr. Inspector da ASAE ao qual
o Mestre Reis respondeu - Mestre Reis,
Comerciante desde há quarenta anos, diga lá se faz favor!
O que se passou a
seguir segue em diálogo:
Sr.
Inspector da ASAE:
Venho aqui inspeccionar os produtos e o equipamento que o senhor tem no seu
estabelecimento!
Mestre
Reis: Atão, fizeram-lhe
mal?
Sr.
Inspector da ASAE:
Desculpe?
Mestre
Reis: Ouça lá! Olhe à sua
volta! Eu aqui só vendo produtos regionais, de qualidade e certificados. Sou
Merceeiro há quarenta anos e nunca ninguém se queixou dos produtos que compra
aqui.
Sr.
Inspector da ASAE:
Mas eu tenho um mandato para fazer uma vistoria ao seu estabelecimento,
Portanto!
Mestre
Reis: Esparvoerado d'um
cabrão! Eu quero é que voçê enfie a vistoria nas nalgas e se ponha a andar
antes que lhe vá ao focinho!!
O Sr. Inspector da
ASAE saíu de mansinho da Mercearia do Mestre Reis e deslocou-se à esquadra.
Regressou, qual pavão escoltado à Mercearia e denunciou o Mestre Reis. Na semana seguinte, a Mercearia fechou e o Mestre Reis
reformou-se. Consta que o tal Sr. Inspector desapareceu, nunca mais ninguém lhe
soube o paradeiro. Olho por olho, dente por dente, costuma-se dizer, sendo nós
um povo pacifico claro.
Hoje à noite depois
do jantar, abri a bagaceira que tinha ali guardada, um dos últimos produtos
comprados na Mercearia, bebi-a afundando-me em pensamentos lá para cima para o
norte, onde fui feliz durante uns valentes anos. Bom povo aquele, parecido ao
nosso.
segunda-feira, 29 de julho de 2013
Narcolepsia Easy-listening
"L'important
c'est pas la chute...C'est l'atterrissage."
Primeira parte.
Simone:
Monsieur, s'il vous plait!
Zé Bacoro: E atão
diga lá menina?
Simone: Je voudrais
une “sandes mista”!
Zé Bacoro: Com
Manteiga?
Simone: Oui, merci!
Hoje de manhã chegou
à aldeia uma moça francesa no autocarro da carreira, parece que veio visitar um
tio que vive aqui numa comunidade ao pé da aldeia, ali pós lados da barragem.
Segundo me contou o Patacas, a moça foi tomar o pequeno-almoço ao central e
meteu conversa com ele - “Perguntou-me se eu sabia onde era a comunidade, eu
respondi-lhe que era ali pós lados da barragem”. O velho patacas, um
moçambicano, vive na aldeia há uns anos, trabalhava no café do Ti Joaquim Maria
em Maputo e quando a guerra acabou veio para Portugal com ele, ainda trabalhou
como empregado de mesa no Central mas gostava muito da pinga e o Zé Bácoro
pô-lo a andar. Desde aí, vive com a Dona Amélia, a senhora que me faz a bainha
às calças.
Há pouco conheci a
moça francesa, chama-se Simone Brel, parece que é sobrinha do famoso Jacques
Brel. Veio cá passar o verão, pois é, está um calor do cacete! Contou-me que
conheceu um casal, o rapaz era simpático e a moça tinha estado em França a
trabalhar, é obvio que só podia ser o jovem Turbo e a Paulinha. Foram os três
na caliquêra do Turbo deixar a Simone à comunidade. É uma jovem de pele morena,
cabelo curto, olhos amendoados castanhos claros, de pequena estatura e muito
conversadora. Esclareceu-me uma curiosidade minha, afinal os franceses tomam
banho regularmente, claro está. São seis da tarde, o sol está a descer, um
calor seco invade o largo da aldeia, os moços pequenos jogam à bola, um enverga
uma camisola do Rui Costa, número 10 do meu Glorioso, ok sou do Benfica, desde
pequeno. Lembro-me de uma vez o meu pai me ter levado à Catedral ver um
Benfica-Parma, ganhámos 2:1, o Paneira falhou um penálti.
Estou sentado na
esplanada improvisada do Central a beber uma mini Sagres com o Tirapicos, uma
grande personagem este mestre, era guitarra solo nos Deluxe! uma grupo de baile
formado por moços aqui da aldeia. As moças estremeciam e vibravam com os solos
eléctricos e o cabelo à Jim Morrison do Tirapicos, era um mulherengo, daqueles
com direito a autógrafos e tudo, agora deixou-se de músicas e é vendedor do
Circulo de Leitores. Por ali ficámos, bebendo minis e petiscando uns pica-paus,
à noite fomos jantar à casa do “Manitas” umas belissimas favas com um tinto
caseiro, percebem porque lhe chamamos “Manitas”? O Chef Michel não lhe chega
aos calcanhares. Acabámos a noite em torno da mesa com a malta, conversando
sobre o tudo e o nada, dá-me um especial prazer estes momentos de fraternidade
em torno de uma boa pinga enquanto o Tirapicos ensaia uns acordes.
Hoje de manhã,
encontrei o Jovem Turbo ao pé da Junta, perguntou-me se podia falar comigo,
acedi. Queria saber coisas sobre a moça francesa, desconfiei. Parece que a
Paulinha tinha passado a noite na comunidade a convite da Simone e o Turbo,
como bom manês que se preze, ficou cheio de ciumeira da moça. Disse-lhe que não
sabia de nada e que não tinha nada a ver com a vida dos outros, já me chegava a
minha. Abalou a grunhir qualquer coisa, não percebi. Mas fiquei com impressão
que o Turbo desconfia que a Paulinha anda de olho na moça francesa, é assim a
vida.
Recebi uma triste
noticia agora aqui no Central. O Zé Bácoro, entre lágrimas, balbuciou-me que o
Patacas tinha abalado, foi encontrado já sem vida hoje de manhã na cama pela
Dona Amélia, morreu durante o sono, a dormir. Há dias confessou-me que andava
com muitas saudades da sua terra e que tinha telefonado a uma irmã sua. O velho
Patacas aterrou na pista da eternidade a dormir, concerteza abalou de forma que
tudo lhe pareceu um sonho e neste voltou a Maputo, antiga Lourenço Marques e
viu-se sentado na esplanada do Clube Naval a beber uma Laurentina e a comer
camarão tigre sob a brisa perfumada dos jacarandás.
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